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Cronologia da Água


0. Tudo era água. Tudo era um oceano escuro de amor. Abstração, porque aqui a memória não alcança. Mas achei por bem ser o início.

4. Banho de mar em Guarujá/SP. Como nordestino, é estranho ter tido o primeiro banho de mar no sudeste. Mas foi lá. Sunga verde, tudo parecia muito salgado. Expectativas marítimas.

6. Banhos de sítio. Imersão em todas as águas que lá existem: açudes, barragens, riachos e tanques. Aflição de não enxergar o que há no fundo, devido ao barro deixar tudo opaco. Medos urbanos de animais sagrados do mato. Boia feita de câmara de ar e raladuras nas paredes do tanque de cimento.

6–8. Banhos em casa de avó. Banheiro com cortina, bolhas de sabão, preguiça de banho gelado. Fascinação pelo elemento, tanque no quintal com água de chuva, poço com reserva de água. Um dia abriram o poço e fiquei impressionado com a profundidade, era como um túnel para o Hades, escuro, largo e ecoando minha voz.

9. Casa de praia em Nísia Floresta/RN. Piscinas naturais, peixinhos e castelos de areia. Além da barreira rochosa era proibido. Primeira vez que vi um ouriço-do-mar por virtude de um primo ter espetado o dedo do pé em um. Pele descascando e bochechas vermelhas.

10–13. Eventuais banhos de piscina. Clubes, chácaras, natação. Ápice da asma e tendo que evitar o cloro por conta da rinite. Óculos de natação que permitiam ver tudo lá embaixo. Medo do trampolim, medo da parte mais funda. Vergonha de não saber boiar [nunca aprendi]. Banho de bica é mais gelado. Viagem à Fortaleza, banhos de mar-avilhas, o sal ainda incomodava, mas agora as ondas fascinavam ainda mais. Caldos marítimos e crises de rinite.

16. Chapada Diamantina/BA. Viagem de ensino médio. Coming of Age. Águas em grutas e cavernas, frias, azuis, cristalinas. Omiti que não sabia nadar para não perder o mergulho na gruta, poderia ter morrido, mas valeu a pena. Mentiras aquáticas por mergulhos inesquecíveis.

17. Banhos de Boa Viagem/PE. Medo de tubarão, banhos restritos às piscinas naturais. Livro na praia, comida de praia, vento de praia, cochilo na praia. O sal já não incomoda. Mergulho com peixes em Porto de Galinhas/PE.

21. Banhos de Réveillondas, João Pessoa/PB. Viagem com amigos pós-término de relacionamento. Promessas ao mar, poesias ao mar, planos ao mar. Mar todo dia. Ressaca do mar, noites de pistinha.

22. Banhos de Hotel à beira-mar. Vista linda pro mar, vento do mar, música do mar. Frutos do mar e calor da brisa atlântica, água absurdamente fria de piscina de hotel, suportável apenas pelos estrangeiros, creio.

23. De volta à Nísia Floresta/RN. Réveilloucuras com amigos e primos nas noites à beira-mar. Mar à noite, piscinas naturais com cachaça. Virada na praia, brisa sagrada do mar.

23 — Descoberta de rio perto da minha casa. Banhos de rio sempre que posso, banhos de rio com amigos, rioterapias holísticas, conversas com o rio, conversas com as pedras. Poesia no rio, amores no rio. Rio como modalidade fixa de contato espiritual com o elemento.

23.2. Amores de além-mar. Banhos de mar, de rio, de lago, de piscina, de tanque, de chuveiro, de bacia. Poesia no rio. Amor na água, pela água e sede de amor. Banho de beijos e de lágrimas.

[incontáveis eventuais banhos de rio e de cascata]

25. Recife/PE. Amor ao mar sem me banhar. Poesia na cidade e mar por toda parte. Mar nas igrejas, mar nas esculturas, mar nos poemas. ‘Tomar banho de canal quando a maré encher’.

[incontáveis eventuais banhos de rio e de cascata]

25.2. Saudades do mar. Mar na poesia, na música, nas pinturas, no sonho.

25.9. banhoterapias na serra, no tanque, água da fonte. Água fria, doce, revigorante. Calor, pandemia, isolamento, saudades de água, de mergulho. Hidroterapias intensivas com imersão aquática. Versos sagrados portugueses para o mar. Ficar de molho. Enjoy the water.

26. [atualização]. de volta às águas dos 6, vinte anos depois. deitar na água, beliscada de peixe na água, encontro de pés debaixo d’água. olhos marejados de tanta coisa. água no vinho, água no céu, água na boca. amor na água.

Texto publicado em 21 de outubro de 2020.
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